A pedido do Giro Ipiaú, o renomado e conceituado consultor em Gestão Pública, Moiséis Rocha Brito com mais de 30 anos de experiência, falou sobre os 20 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, que em 4 de abril de 2000 estabeleceu-se como um marco regulatório na administração pública, tonando-se um instrumento norteador e essencial para à adequada e regular aplicação dos recursos públicos. Assim dispôs Moiséis Rocha sobre a LRF:
Breve histórico da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF
Não há sentido em começar a falar sobre a LRF sem primeiro mencionar quando e por que ela surgiu. De longe, se ouvia falar que o Brasil sempre foi conhecido como o país de desmandos na administração pública, da distorção das atribuições do estado, da disposição à apropriação particular do patrimônio público, dos desmandos e da bagunça que em si eram as gestões públicas nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal.
No cenário mundial há vinte anos atrás grandes mudanças ocorriam impulsionadas pela queda dos regimes comunistas e a abertura do mercado de capitais provocando a almejada globalização. Desta forma, o Brasil para não ficar fora desta rede de prosperidade precisava adotar as regras impostas pelo chamado mundo desenvolvido. Entretanto nossa condição não era nada favorável, visto os constantes escândalos de desvio de verba pública, a falta de planejamento e transparência das ações, bem como o lançamento de planos econômicos superficiais sem qualquer sucesso.
Diante desta condição o Brasil toma a decisão de firmar acordos com países pertencentes a outros blocos econômicos e com o Fundo Monetário Internacional – FMI, a fim de desenvolver o nosso comércio e captar recursos para assim alavancar nosso tão desejado desenvolvimento econômico. Esses acordos exigiam a edição de norma que trouxesse transparência e responsabilidade às contas públicas.
É neste contexto das regras postas pelo mercado internacional, da incredulidade, desconfiança e deterioração das contas públicas que surge a Lei Complementar nº. 101, de 4 de maio de 2000 a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. A LRF foi elaborada visando à reforma do Estado (o que nas últimas décadas vem ocorrendo em muitos países) tendo como objetivo a substituição da administração pública burocrática pela gerencial, aumentando a eficiência na prestação dos serviços do estado, e incentivando o crescimento e o desenvolvimento socioeconômico do país.
A elaboração de nossa LRF teve como modelo e base o estudo das leis e a experiência de outros países integrantes do Fundo Monetário Internacional – FMI, organismo do qual o Brasil é Estado-membro, e que tem editado e difundido algumas normas de gestão pública em diversos países. Ainda serviu de parâmetro para a existência da LRF brasileira, a da Nova Zelândia (Fiscal Responsibility Act, de 1994), assim como da Comunidade Econômica Europeia, a partir do Tratado de Maastricht; bem como a dos Estados Unidos, cujas normas de disciplina e controle de gastos do governo central levaram à edição do Budget Enforcement Act, aliado ao princípio de “accountability”.
Enfim, a LRF é um código de conduta para os administradores públicos que passam a obedecer normas e limites para administrar as finanças públicas, prestando contas de quanto e como se gastam os recursos da sociedade.
Principais aspectos tratados na LRF
A LRF em si trata sobre diversos aspectos importantes na gestão pública, dentre eles destacamos a responsabilidade na gestão fiscal pressuposta da ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.
Princípios e fundamentos da LRF
A LRF está estabelecida sobre quatros pilares fundamentais: 1) Planejamento; 2) Controle; 3) Transparência; e 4) Responsabilização.
O planejamento passa por um acompanhamento durante a execução orçamentária e financeira, resguardada por regras de elaboração do Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias e pela Lei Orçamentária Anual – LOA. Tal acompanhamento e execução da receita e despesa pública lastreia-se pela definição de metas de arrecadação, de cotas, do cronograma mensal de desembolso e da limitação de empenhos, visando o equilíbrio das contas públicas. Desse modo, o planejamento trata-se de uma necessidade real, pois está relacionado diretamente com o sistema orçamentário e financeiro, atingindo o objetivo de equilíbrio das contas públicas exigido pela lei.
O controle recai sobre o estrito cumprimento das regras de acordo avaliação e aferição periódica expressas através dos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária – RREO e Relatório de Gestão Fiscal – RGF, contendo informações alusivas às despesas com pessoal, do grau de endividamento do ente, da efetiva arrecadação dos impostos devidos, da renúncia e sonegação fiscal, da assunção de despesas nos dois últimos quadrimestres do final do mandato e etc., O controle é aprimorado por uma maior transparência social e qualidade das informações disponibilizadas, mediante fiscalização e acompanhamento por parte dos Tribunais de Contas.
A transparência concretiza-se através da divulgação ampla incluindo a internet e outros meios, assim como as audiências públicas com a participação ativa da população realizadas quando da elaboração das peças de planejamento (PPA, LDO e LOA), dos relatórios de acompanhamento da execução orçamentária e gestão fiscal, mediante avaliação do cumprimento das metas fiscais realizada quadrimestralmente perante a Comissão de Contas do Poder Legislativo.
A responsabilização recai sobre o ente e o gestor público, e acontece na medida que as regras não forem cumpridas. A partir do momento que ocorrer tal fato, haverá a suspensão de transferências voluntárias, das garantias e da contratação de operações de crédito. Não cumprindo as regras impostas pela Lei, os responsáveis sofrerão sanções previstas na legislação que trata dos crimes de responsabilidade fiscal.
Os efeitos da LRF nos dias atuais
A bem da verdade, podemos afirmar que nem todas as medidas previstas na LRF de fato foram implementadas nesses 20 anos. Muitas delas foram ignoradas pela maioria dos prefeitos, governadores e até mesmo por presidentes, que estabeleceram formas de burlar a LRF com a aquiescência e contribuição muitas das vezes do Poder Judiciário e Legislativo. Os problemas que tivemos em relação a LRF decorreram mais pelas questões de políticas fiscais que revelaram equivocadas e práticas incorretas, que inclusive geraram o impeachment de uma presidente (Dilma Rousseff), do que com a responsabilidade fiscal em si.
Entendo que a LRF contribuiu significantemente para se criar uma nova cultura em torno dos recursos públicos, porém ela deveria ter sido ajudada, com a aprovação de outros projetos acessórios, inclusive que limitasse o endividamento para o governo federal e tantos outros aspectos inerentes ao controle fiscal. Não é justo estabelecer uma disciplina muito dura para estados e municípios, e não para a União. Diga-se de passagem, quando estados e municípios se arruinaram, isso de fato ocorreu por causa e culpa da União, considerando que estados e municípios com o advento da CF/88 assumiram quase a totalidade das responsabilidades diretas de execução das políticas públicas, contudo, com o ínfimo de recursos, enquanto a União passou a deter mais de 65% dos recursos oriundos da efetiva arrecadação total do país.
Por fim, lamenta-se que entra governantes e sai governantes a cada mandato, porém os descalabros ainda são evidentes e perceptíveis aos olhos de qualquer cidadão, por mais comum que seja. Para muitos, nesses vintes anos de LRF praticamente não se mudou nada em termos da efetiva e regular aplicação dos recursos públicos. Durante meus 30 anos de vida na gestão pública, falo como aquele ditado popular “ruim com ele, pior sem ele”,. É isso, exatamente isso, se está ruim com a LRF, muito pior seria sem ela. Apesar das manobras e distorções praticadas por muitos dos governantes, a LRF ainda serviu como um freio, bloqueando muitas ações daninhas relacionadas ao equilíbrio das finanças e endividamento público.
Nesse contexto, é evidente que a regular e perfeita aplicação dos recursos públicos, perpassa pela questão cultural do povo, através da educação, do conhecimento e da informação. Apenas e tão somente por meio da educação poderá mudar esse estigma que vem de anos a fio. Entendo que a Lei em si só não poderá mudar isso, mas sim, pela formação cultural de uma geração que por certo propiciará melhor qualidade de vida para àquela que chegará.
A LRF em sendo aplicada e cumprida com total rigor, ainda é um santo remédio para curar a tão deprimente gestão pública.
Parabéns para a LRF pelas bodas de porcelana! (04/05/2000).
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